Festival de Jazz Robalo 2023
A Robalo é um colectivo que pretende reunir músicos que exploram caminhos alternativos para a música, oferecendo-lhes a possibilidade de tocar, e mesmo gravar, produtos fora do mainstream. O mérito é inequívoco, e a Robalo tem oferecido espaço e visibilidade a muitos músicos que de outra forma veriam os seus trabalhos esquecidos.
«Musicians Collective Focused on Jazz and Improvised Music» - assim se identifica o colectivo, organizou, uma outra vez, o seu festival anual no Auditório Camões, desde 2019 com o apoio militante da Antena 2, que transmite todos os concertos ao vivo.
Permito-me algumas conjecturas muito pessoais:
Não gosto do nome «música improvisada». «Música improvisada» (ou também «Jazz e música improvisada») é o nome infeliz que é dado a uma forma musical contemporânea que se pretende experimental e ausente de referências. O nome é infeliz, até porque, sendo vago, nele se poderiam incluir muitos folclores, por exemplo da música indiana ou africana, e também, ou por outro lado, algumas formas da música erudita. Esta forma, esta não-forma, ou estas formas, parece pretender associar/explorar a característica definidora improvisação do Jazz, expurgando-a das referências - e muito em especial das referências ao cancioneiro norte-americano. (Jazz é, entre outras definições, «música composta improvisada», e o conflito que advém desta contradição – entre composição e improvisação – é uma das fontes da sua riqueza.)
No que me é dado observar este (o da «música improvisada») é um caminho de parcos resultados, ou melhor diria: um beco. Diria que muitos músicos, e em especial, muitos jovens músicos, se encontram enredados num experimentalismo vão. Mas também, por outro lado, que vários dos concertos a que assisti foram por demais incipientes na forma e na execução; mesmo sendo verdade que a experiência é a mãe da sabedoria, e todos caminhos têm escolhos.
O século XX e XXI foram profícuos nas artes e também na música, oferecendo-nos, em todas as áreas, da pop e do rock aos folclores e à world music, da música erudita à música de entretenimento, música e peças fantásticas; mas o Jazz – faz parte do seu ADN - soube sempre oferecer-lhes inspiração, da mesma forma que, canibalizando-as, nelas se inspirou também. E essa é, também, uma das razões porque o considero, na sua infinita diversidade, a forma musical mais importante dos últimos 120 anos, e que assim permanece. Nem todos partilharão da minha opinião, naturalmente, e o futuro confirmará ou refutá-la-á.
Dos concertos a que assisti falarei pois apenas dos que foram feitos por músicos que têm o Jazz como referência, e que foram, a meu ver, os mais interessantes.
André Santos Vereda
Algo diferente do que lhe tinha assistido há pouco mais de uma semana no Funchal, o quarteto Vereda fez, um excelente concerto. A diferença começou no som – mais eléctrico – personificado na utilização, por André Santos, de uma guitarra Fender Jazz Master, ao invés da Ibanez AS 50 de caixa que tinha usado antes, e prosseguiu na aglutinação num medley de quatro temas, alterando significativamente nas interpretações – dispensando, por exemplo, o recurso à gravação cantada por uma popular de «Guerras de D. João», e acrescentando um tema (nunca tocado antes) inspirado no conceito harmolódico do Ornette Coleman/ Pat Metheny do «Song X» - «Corneta», rematando com o mais arrocalhado «O Nuno está todo Fu Doido».
Música repleta de estro e humor, no fio da navalha, por uma banda atípica de dois saxofones, bateria e guitarra (André Santos na guitarra e pedais, José Soares e Francisco Andrade nos saxofones e Diogo Alexandre na bateria), escorreita e enérgica, com uma componente significativa de improvisação. Dois saxofones à compita, veementes e criativos, uma bateria voluptuosa, e uma inspirada guitarra acridoce no centro de tudo.
Clara Lai Trio
Pianista catalã, Clara Lai regressa à Robalo depois de um concerto no ano passado (a que não assisti).
Numa fórmula de trio de piano (Jazz) clássico, Clara Lai foi capaz de revelar as suas qualidades como pianista em vários estilos, embora creia que ela se dispersa nessa diversidade. Ela começou por abordar o piano ao jeito do Chick Corea dos tempos do «Circle» ou «The Song of Singing», passando para a forma silent de Paul Bley, a violência de Cecil Taylor e um piano intrusivo, inspirado talvez no maiorquino Agustí Fernández. Irrepreensivelmente, e inspirada (mesmo se não me interessam as investidas dentro do piano de Fernández), e eu diria que ela foi convincente nessas formas, onde a composição inspirava a improvisação. (Um senão: a banda, ainda que estimulada por alguma irreverência pianística, não esteve à altura da líder.) Mas diria que, mesmo, essa irreverência e diversidade, ela soube sempre gerir muito bem, mesmo para além do que à superfície se observava, e eu arriscaria (sem correr grande risco) que, num futuro muito próximo, iremos ouvir falar da jovem Clara Lai.
John O’Galagher Beast
O melhor concerto do festival estava reservado para o fim, com o Beast de John O’Galagher. Um longo tema – medley? – de uma hora, com arranjos a fazer parte integrante – definidores - da composição, paisagens urbanas intempestivas e irregulares contadas numa história sonora. Uma banda impetuosa, estimulada pelo saxofone, muito embora algum desequilíbrio no quarteto, e mesmo se a bateria soou sempre bem, e onde o piano, muito percussivo, se destacou. Os diálogos piano – saxofone constituíram mesmo alguns dos momentos mais excitantes do concerto, e Samuel Gapp esteve sempre à altura na resposta ao arrebatamento do saxofone, um verdadeiro vulcão, capaz de levar tudo à frente.
Mas há muito mais do que a epiderme pode compreender na música do norte-americano, na atitude desafiadora da improvisação sobre a (que adivinhamos) composição, na volúpia do seu saxofone que mereceria outro reconhecimento.
Leonel Santos
Sala de concerto:
Auditório Camões (Escola Secundária Camões), Lisboa
17 a 21 de Julho de 2023
Seg 17 | Lisboa |
Auditório do Liceu Camões |
18.00 |
Practically Married + João Pereira | Declan Forde (p), James Banner (ctb), João Pereira (bat) |
19.30 |
Aurin | Simão Bárcia (g, c), Joana Domingues (voz), Guilherme Rodrigues (s), Bruna Moura (celo), Miguel Fernandez (bat) | |||
Ter 18 | 18.00 |
Carreiro / Sousa / Gapp | João Carreiro (g), Samuel Gapp (p), João Sousa (bat) | ||
19.30 |
Ensemble Porta-Jazz/Robalo | Nazaré da Silva (voz), Bernardo Tinoco (sa), Gil Silva (st), Duarte Ventura (vib), Pedro Molina (ctb), Eduardo Dias (bat) | |||
Qua 19 | 18.00 |
Forget About Mars | Débora King (p, c), Marta Rodrigues (voz), Zé Almeida /ctb), Samuel Dias (bat) | ||
19.30 |
Vereda | André Santos (g, c), José Soares (sa), Francisco Andrade (st), Diogo Alexandre (bat) | |||
Qui 20 | 18.00 |
Fragoso/ Sofia | Sofia Sá (voz), João Fragoso (ctb) | ||
19.30 |
Clara Lai Trio | Clara Lai (p, c), Àlex Reviriego (ctb), Oriol Roca (bat) | |||
Sex 21 | 18.00 |
Mirakelhund | Joao Almeida (t), Johannes Gammelgaard Lauritsen (st), Asger Thomsen (ctb), Johannes Berg (bat) | ||
19.30 |
Beast | John O'Gallagher (sa), Samuel Gapp (p), Zé Almeida (ctb), João Lencastre (bat) |